Este é o final possivel para uma história que um dia postei aqui no memórias virtuais.Porque este blog tem esse proposito, fazer jus ao nome. As minhas memorias virtuais agora, porque não passam de memorias espaçadas no tempo, espessas no tempo, láminas no tempo...
Obrigado a quem tem a paciência, o trabalho de ler. Gosto de escrever admito, quando escrevo sou outro, como quando navego. Quando sinto o vento e o sabor do sal na boca, sou livre, fora disso deixo de ser o marinheiro ausente que sou...
VIII
Vou até ti…
Quero ir até ti. Em tua busca. Estou farto de olhar os números do telemóvel que ficaram e não tenho a coragem de premir. Pareço um puto de volta do brinquedo. E estou exausto acredita. Chego a um ponto, uma espécie de promontório ventoso de onde não sei sair. Acho que estou viciado. Viciado em ti, nem sei se é um vício o que sinto já, não sei, sei que me fazes falta, és uma espécie de presença que existe mas não se toca. Tentei substituir-te, como uma peça de um carro que avaria, mas tu és demasiado especial, peça única valiosa, nem te dás conta do valor que tens em ti, não consigo substituir-te, fico com o carro cheio de defeitos…
Tentei escrever-te, não sei se recebes as minhas palavras, porque agora que já passaram todos estes anos e eu me sinto mais triste, acho que já não vale a pena escrever-te. Também acho que já não tenho a coragem para te procurar, para dar os passos que me levem até ti. É o que mais desejo acredita. Para recomeçar ou matar de vez o amor que sinto. Porque, dou-me conta, não é um amor bonito este que sinto. Existe uma espécie de véu que me tolda o olhar, sempre, e me impede a amar de novo completamente outra mulher. Assim sobrevivo e o teu amor mata-me lentamente. O mais grave é que tu já não me amas, então tudo isto não passa de uma teimosia minha ou uma loucura. Enlouqueço aos poucos, fecho os olhos para não te ver, mas tu vens, vens profundamente. Assim, construo um outro mundo paralelo onde vivo e escondo o teu para que não se saiba que é doloroso e obscuro, um lugar construído em silêncios e paixão. Quero ir até ti. Mas vou só no tal mundo paralelo de ruas estreitas. Tenho medo. Parece que te encerrei numa masmorra com porta espessa e paredes de metro onde o sol não entra e o barulho da vida não existe. Não consigo olhar-te de frente. Ou libertar-te.
Que me adianta ir pelo meio da rua, que me adianta olhar as pessoas. Sabes, deixei de olhar nos olhos de frente, deixei de olhar os olhos de outra mulher com medo de me apaixonar, o medo de revelar um amor que existe encerrado e em segredo em mim. Tu não sabes. Tu não imaginas. Não é importante o pormenor. Mas, as lágrimas assomem aos meus olhos quando te escrevo. Porque a tua saudade mata-me aos poucos, tira-me as forças, sangra-me. Por isso tento não te lembrar para não morrer de amor por ti. Mas hoje não resisti. Olha o resultado. O que acontece. Como fico extenuado…
Acho que errei em algo na minha vida, já te escrevi a dizer isto mesmo, que o meu amor por ti padece de algum mal misterioso. Ficamos a meio de nós, e eu pareço o vagabundo doido a meio da ponte pênsil em dia de ventania. Balanço ao sabor dos ventos que me esfriam o corpo, mas vou sempre seguindo mesmo a medo para o outro lado de mim. E tu não estás para me dar a mão.
Queria navegar até ti. Encontrar-te uma última vez na nossa praia do cabo do mundo. Dar-te a mão. Não precisas de me dizer nada. Basta que estejas ali tu, com a tua presença o teu perfume, o brilho do teu olhar. Basta-me isso. Já te disse que me contento com pouco e a tua presença já é mais que muito, já é tudo para quem não tem nada. E eu de ti não tenho nada. Só a saudade e o pequeno livro com dedicatória que me ofereceste um dia lá no sul junto ao Guadiana. Mas já o li não sei quantas vezes, preciso que me ofereças outro urgentemente. Preciso de ti. De te olhar, mesmo que já não olhes para mim da mesma maneira. Quem sabe assim não me curo de vez. Não tenho uma imensa desilusão, e assuma que tudo não passa de um labirinto confuso que eu construo dentro de mim para me sentir vivo. Quem sabe. Temos de fazer a experiência pois só experimentando se sabe e se aprende.
Existe um problema que é grave em tudo isto. É que o beijar-te não foi uma experiência. Ás vezes, nas noites onde me sinto perdido, envolto nos pesadelos, agitado, tu chegas e beijas-me de novo, eu sinto os teus lábios, a tua boca pequena em mim, o calor dos teus seios junto ao meu corpo, então sereno dissipam-se os pesadelos, finalmente descanso.
E isto é muito grave, porque não sei se imagino já, ou acontecemos os dois um dia. Assim vivo sempre num dilema desde que foste embora. Se te perpetuo na memória ou te renegue. Mas és tu que me acalmas nas noites de temporal, nas noites de sofrimento quando me sinto com o corpo dorido, as minhas dores de costas que não passam, são uma espécie de hera trepadeira que me envolvem. Tu tens o dom de me acalmar. A tua voz serena-me. As tuas mãos que afagam são um linimento milagroso nas minhas costas. Toda tu és um milagre de amor que acontece, e eu que já não acreditava em milagres sinto as dores passarem pela imposição do calor das tuas mãos pequeninas.
Possivelmente esta é a ultima vez que te escrevo. Já não vale a pena, sinto que já não vale a pena confessar o meu amor por ti.
Este que é um amor puro. Branco. O amor puro é sempre branco, os outros podem ter todas as cores. Ás vezes são negros, mas isso não é amor verdadeiro, os amores negros são perigosos. Este é um amor branco verdadeiro, da cor do linho puro. Um amor que perdura para alem da distância ou da saudade. Não envelhece. Eu sim. Desfaleço todos os dias. Imagino-te sempre perfeita. Ficaste parada no tempo, não envelheces, o teu riso tem ainda o mesmo timbre, o olhar o mesmo brilho, os cabelos o mesmo perfume, os teus gestos de manhã são os mesmos. Gostas de acordar devagarinho, eu observo-te ao acordar, gosto de passar os meus dedos nos teus cabelos espalhados na brancura dos lençóis, gostamos do branco os dois. Gostas de ficar frente ao espelho na casa de banho lavando lentamente o rosto. Eu gostava de te agarrar e beijar no pescoço. De envolver os teus seios redondos nas minhas mãos grandes. Estremecias sempre, e eu queria-te ainda mais…Gostava de ver como espalhavas o creme, para evitar as rugas dizias a sorrir. Ficas parada nesse tempo na minha memória. E hoje nem sei se vale a pena alterar esse tempo sublime e breve porque sei que não estamos mais iguais ou se nos iríamos reconhecer.
Estou a escrever-te neste computador que me tem acompanhado ao longos dos anos, também ele se ressente, mas vou trocando as peças, acrescentando memória, gravando e apagando no disco, em mim não consigo fazer isso. Ás vezes tenho vontade de carregar no reset e iniciar tudo de novo, na esperança vã que o tempo ande para trás e voltemos ao início. Sei perfeitamente que isso nunca vai acontecer por ser impossível, assim vivo com o possível no momento e com este computador por onde espero que surjas on-line, mas não surges nunca, ou se surges não é aqui no meu computador. Acho que também já não é importante isso.
Tenho medo de não te reconhecer, de seres uma estranha para mim. De eu ser um estranho para ti. Sei qual é a sensação de ser estranho na nossa terra. Sei por experiência pessoal porque o tenho sentido ao longo da vida. Já não me reconheço na terra onde nasci. Tenho medo que sintas isso por mim e eu por ti. Que já não sejas a mulher que amei um dia e que habita em mim num lugar secreto. Por mais que se estude o coração, a máquina fabulosa que é, nunca se chega a compreender o seu sentir. Dizem que se guarda o amor no coração, eu não sei onde guardo o teu amor, acho que és um todo em mim. O amor tem de ser inteiro não pode ser aos bocados, interrompido, isso não é amor, pode ser paixão ou outra coisa qualquer mas amor não é de certeza, pelo menos da forma como eu o concebo, grande, pleno, puro. Envolvente. O nosso amor foi assim, durou foi pouco tempo, foi breve mas forte, gravado a fogo, perdura escondido no meu corpo num lugar de acesso difícil. Sente-se, é isso. Sinto-te como um movimento perpétuo em mim.
Já não sei que faça. Dói-me a cabeça. Hoje acordei com a necessidade de te escrever. De saber de ti. De te querer. De te ligar. Tenho dias assim, acho que estou a ficar doente pois os dias assim são cada vez mais. Mais uma vez não o faço. Sei que não atendes por saberes qual o meu número. Podia ligar de um número privado, não o faço. Não o faço porque me parece mal fazer isso. Espero que um dia me atendas se eu ganhar a coragem para te ligar. Passar dos pensamentos aos actos. Não olhar só para os números mudos e frios no mostrador. Tenho de arranjar um telemóvel inteligente, que me leia os pensamentos e que por iniciativa própria te ligue, e que te diga o que já deves imaginar e eu não disse. Sabes. O que existe é uma falta de comunicação em nós, isso é o que existe. Mas respeito a tua opção o teres saído da minha vida sem uma despedida sem um adeus. Eu também não me despedi de ti. Ficamos a meio de nós, entendes, uma espécie de história interrompida. Falta-nos o fim. Fico sempre esperando que voltes, que a tua ida tenha sido um até mais logo, um até breve. O breve tornou-se longo e o longo tornou-se distante. A distância dilui-se no tempo o tempo já não existe em nós. Um dia escrevi sobre o tempo, umas palavras de que recordo só o nome: “O tempo que temos” acho que nunca leste o que escrevi. Tenho a impressão, quase a certeza que nunca lês o que escrevo. Eu também já não te envio nada do que escrevo. Faz anos que não te mando nada, que não partilho os meus escritos contigo, mas todos os dias quase como uma rotina diária ao abrir o pc o teu endereço aparece em primeiro lugar, já tentei apaga-lo mas arrependo-me. Pode ser que um dia me queiras escrever, ou possas de novo aparecer no msn, esta coisa nova que dá para teclar à distância e mascarar as saudades. Sei que estou bloqueado no teu pc, só pode. Um dia falaste disso, uma das últimas conversas que tivemos já a magoar os sentidos. Disseste e fizeste, não te sabia tão determinada. Mas admiro isso em ti, essa força que tens de não te amarrar a nada, de não teres saudades, de não olhares para trás para o passado. De seguires sempre em frente. Tu tens razão. Admiro-te por isso. A tua força. Eu já não sou assim. Tenho andado em busca de uma explicação para isso, para este meu sentir, para a dor que sinto, as saudades que incomodam, deve ser coisa da infância, só pode. Tive uma separação que me marcou em menino. Deve ser disso, as saudades que sinto devem vir dai. Hoje falo-te nisso. Quer dizer, não te falo, escrevo, e ao escrever liberto-me de mim, de ti, da memória conjunta. Tenho já dificuldade em recordar o teu rosto nítido. Tenho de fechar os olhos para te ter plena, abstrair-me do mundo ao redor. Mas isto é a evolução natural do tempo. O tempo tudo cura, tudo patina com a capa da distância dos anos. O envelhecimento é lento e progressivo, chegamos ao auge e depois definhamos. O tempo é o melhor remédio para tudo, e eu, à medida que vou tendo mais tempo para mim vou deixando de ter tempo para ti. Queria saber parar o tempo por uns tempos e ter-te de novo, fazer o tal reset milagroso. Depois deixava-te ir como uma andorinha que parte no início do Outono. Reparo que as que por aqui faziam os ninhos já partiram, estamos no Outono, nem me dou conta do tempo. Eu vivo, não existo. Deve ser isso, esta falta de atenção ao que me rodeia. Escrevo-te enquanto escuto musica do Leo Ferré, “Cette Blessure”, gosto de escutar as musicas do Leo, falei nisso um dia, dizias que não eram musicas para a tua idade, eu sei, temos uma diferença de idade que se nota mas não é importante. Gostavas de me oferecer as musicas que gostas de ouvir, agora não sei se gostas das mesmas, ensinaste-me a conhecer novos grupos, novos estilos. Durante não sei quantos meses só tocaram os teus cds, sentia-te assim mais próxima. Mas afastaste-te, até porque eu comecei a saber de cor cada faixa de cada cd. A coisa começou a tornar-se repetitiva, e na música como no amor não podemos ser repetitivos sob pena de definharmos, de entrarmos num círculo rotineiro e perigoso que tende ao extermínio do amor e á abolição da música. Assim mudei os cds, fui ás compras, escolhi alguns dos mesmos grupos, penso que tu também gostas destes que comprei, fica a duvida e a impossibilidade de saber a resposta. Também comprei novos livros que leio. Livros diferentes dos que costumava comprar e ler, já não leio livros que falam dos barcos antigos e do património que permitiu o nosso reencontro, lembras? Agora compro livros de autores da moda, alguns que falam do amor, alguns que nem sei do que falam mas também isso não é importante, o importante é que leia e me distraia de ti. Dou-me conta que tudo o que te escrevo, tudo junto parece um livro. Pena eu não ser um escritor famoso, se o fosse dedicava-te um livro, escrevia para ti um livro com dedicatória, e isso seria o motivo para ir em tua busca, para te oferecer o livro, seria um motivo mais que suficiente para fazer isso. Como não sou escritor, não te escrevo o tal livro em tua memória com dedicatória, nem vou em tua demanda. Como vês tenho quase tudo contra mim…Digo quase porque não desisto. No dia que desistir deixo-me afundar juntamente como o navio dos meus sonhos e afogo-me de vez, afinal o mar corre-me no sangue e é lá o meu último lugar, no mar profundo. Não sei se gostas do mar, acho que nunca falamos disso em pormenor, gostavas de me acompanhar na beirada da praia no cabo do mundo e apanhar beijinhos, aquelas conchas pequeninas e mágicas. Mas isso não quer dizer que gostes do mar da mesma forma que eu, ou o sintas como eu. Mas também não é importante saber isso de ti. Dou-me conta que não sei nada de ti. E isso assusta-me. Assusta-me não saber nada de ti, e assusta-me o já não ser importante o saber algo de ti. Parece uma contradição tudo isto. E é, somos uma enorme contradição, assim anulamo-nos, não nos queremos, não nos amamos. Aqui discordo. Eu ainda amo, não me adianta é rigorosamente nada, o que é outro universo bem diferente do universo onde te guardo e habitas em mim. Já te falei disso no início das minhas palavras.
Acho que estou a ser extremamente monótono. Repetitivo, acho que mesmo estúpido. Mas peço-te desculpa por te maçar com estas palavras que escrevo, não é uma carta, não tem o propósito de ser uma carta, é mais uma história nossa, à qual eu tento dar um final feliz como todas as historias de amor que se prezem. Não vou é terminar com a frase: E foram felizes para sempre…Porque não corresponde à verdade. Ainda estou a tentar descortinar um final para nós, um final onde eu não me sinta vencido ou impotente. Porra! Na lei dos homens, os homens ganham sempre, ou não é assim. No amor e na guerra, devíamos ganhar sempre, afinal somos o sexo forte. Quer dizer, sei de alguns que ganham sempre, ás vezes leio isso nos tais livros que comprei, mas fico com a impressão que não falam de amores brancos, falam de amores com outras cores, e para mim o amor é branco, não vou repetir de novo o que já te disse atrás e penso ainda recordas. Tu ganhas-me em matéria de amor. Mas também não deve ser um facto importante a esta distância. Eu não vivo, existo. Lembras? Na maioria dos dias sobrevivo, o que já é uma enorme vitória pessoal, assim também sou feliz, pode ser pouco, mas para mim já é muito. Sobrevivo sem ti. Aprendi a não te buscar em cada rosto de mulher. A não olhar nos olhos directamente., A não olhar o céu sempre que escuto um avião, já me habituei porque moro num sitio onde eles passar regularmente. Também cresci por dentro e envelheci por fora, mas não me importo. Tu é que estás igualzinha para mim. Não tenho uma foto tua para comprovar isso, as que tinha perderam-se um dia, uma história que não quero recordar. Até porque a minha memória ao contrário do computador não dá para acrescentar. Noto que está em movimento decrescente a esvair-se, fica só a memória antiga, a memoria presente é fugaz, como clarões que passam e isso traz-me muitas dificuldades no dia a dia. Acho que também isto se deve ao facto de ter abusado em novo do mergulho em profundidade, as minhas apneias prolongadas ao limite do folgo, durante anos, os anos intensos que vivi no Algarve, agora o cérebro ressente-se da falta de oxigénio desses tempos…a cabeça não tem juízo e o corpo paga. Pode ser mais tarde mas paga, dou-me conta que paga. Adiante que não quero falar-te de mim, ainda se fossem coisas bonitas, agora estas coisas que não são importantes. Se calhar é porque já não sei o que te dizer mais, além de dizer quer me apetecia ir até ti hoje. Mas é uma tarefa impossível eu sei. Vou de memória como tenho feito estes anos todos. E tu estás em casa sitio onde pouso o olhar. E ás vezes descanso o olhar em ti. Tu não estás é certo, mas é como se estivesses, és como eu queria que fosses. Perfeita. Ao redor o mundo é que é imperfeito, e eu como faço parte desse mundo também sou, cheio de arestas vivas que cortam ao toque, por isso foste embora, com medo de te cortares. Eu sou uma espécie de vidro reciclado grosseiramente, daqueles cheios de bolhas de ar prisioneiras por dentro. Tem graça que é assim que me sinto muitas vezes. Prisioneiro desse mundo paralelo, encerrado numa bolha de ar. A diferença é que por lá o ar está rarefeito, perigoso, pouco, e eu noto a arritmia em mim, o desfalecimento, a vertigem, a embriaguês da narcose. Vou ao fundo. A custo liberto-me do lastro como tenho feito muitas vezes e subo à superfície, quase a sucumbir, os pulmões a arderem, a quererem sair do peito. Queimam por dentro. Nunca faças uma coisa destas por favor, eu fiz por sobrevivência, para me testar, para saber os meus limites, agora não faço porque tenho já medo, e, descobri que afinal não tenho um coração perfeito, as batidas que sentia lembras, eram prenuncio de algo. Faz tempo despedi-me do mergulho. agora vivo das lembranças, da liberdade que sentia, do prazer que era. Já não é, porque a vontade ainda é muita de ir de novo para o silêncio azul. O mar puxa-me para ele porque ele sabe que o amo e principalmente o respeito, pronto! Revelo-te, não sei se alguma vez desconfiaste deste meu amor pelo mar. Não existe ciúmes, ele está sempre lá, eu, é que sou um marinheiro muito ausente mesmo. Não te vou dizer para que não tenhas ciúmes deste meu outro amor, seria extremamente ridículo dizer-te isso. Até porque tu já não me tens amor, que eu sei, eu sinto essa verdade, estou quase como uma balança defeituosa, de dois pratos mas só com um, portanto inútil. Não pesa, finge, e os pesos estão errados por lhe faltar a tara. O meu amor de respeito pelo mar não faz concorrência desleal com o que sinto escondido por ti. São diferentes. Um de existência, outro de sobrevivência. Sobrevivo sem ti. Vê lá a imensidão deste amor. Aqui ele toca-se, as tais linhas paralelas que ás vezes falo, aqui tocam-se finalmente. A imensidão do meu amor por ti confunde-se com a imensidão do mar que amo. Ás vezes, ao olhar o horizonte és tu que vejo caminhar sobre as ondas lá onde o sol se põe, na linha do horizonte, e vens resplandecente, é por isso que me farto de fotografar o por do sol, a ver se de uma vez por todas fico com uma foto tua mesmo distante, uso um zoom de dez vezes mais o digital, e a máquina no máximo das definições possíveis e impossíveis, mas nunca apareces na foto, só os meus olhos te vêem. Assim não posso provar nada. Que te vejo a caminhar sobre o mar. Passo por louco. Mas só o Cristo tinha o dom de caminhar sobre as águas, e acalmar os mares, e multiplicar os pães, e transformar a água em vinho, e ressuscitar os mortos. Estou meio moribundo dou-me conta. E não era isto que eu queria hoje, queria ir até ti com todas as forças, no máximo do meu vigor. O mais alerta possível nos sentidos. Excitado até, tu sabias como me dar a volta, ou me excitar…Às vezes ainda me dizem para não me prender ao passado. Como pode ser possível não me prender. Se não me prendo fico vazio, sem nada, será isso viver? Um homem vive vazio de nada? Eu não vivo, vivo com pouco, não sou de muitos gastos, a tua memória alimenta-me, não será um manjar, será um pão ázimo, sem fermento, uma espécie de pão da última ceia, portanto respeito este pão que me alimenta o suficiente para me manter vivo e lúcido. E quando penso em ti, tu renasces porque o meu espírito que é livre te visita e vela por ti para que nada te falte, para que te sintas feliz. Porque se estiveres feliz eu também estou. Amor é isso. O meu amor de branco, como gosto de o ver é isso. Uma dádiva de partilha sem algemas, sem prisões, livre como o pensamento. Confesso que por momentos te queria prender nos meus braços como antigamente, mas isso sou eu a cometer um pecado egoísta. Tu és livres de voar. Não voaste, foste de avião, eu fui levar-te ao aeroporto. Nunca mais lá voltei àquele aeroporto, dizem que já está diferente, as tuas pegadas na porta de embarque já não existem, substituíram o piso do chão e diariamente lavam com uma máquina que põe o chão a brilhar. Perdi portanto o teu rasto. Não sei efectivamente por onde te procurar. Na tua rua ninguém sabe de ti, só lá passei recentemente. As janelas estavam com os estores cerrados. Tu não estavas. Mas se estivesses era como se não estivesses. Vieste uma vez pelo natal lembras. Quando ligaste a dizer que me querias ver e eu fui, fui demasiado depressa acho que em excesso de velocidade. Excesso de amor por ti. Vim embora devagar. Lentamente. As separações a mim custam-me muito. Não gosto de me separar de nada mas separo, as coisas acabam naturalmente, são como as flores colocadas na jarra viçosas no momento, depois murcham e deitamos fora. Desculpa eu ter deixado morrer as flores que te ofereci. Mas foi impossível fazer com que elas vivessem eternamente. Foram cortadas do tronco da roseira, a partir desse momento tinham o destino traçado e efémero. Perdoa-me por isso. Podia ter guardado e seco as rosas envoltas num jornal, como fazia nas aulas de ciências quando estudava as plantas. Não me lembrei e deitei-as ao lixo. A saída mais fácil. Afinal tu não estavas e as rosas já estavam todas caídas, as pétalas secas no chão. Deu uma trabalheira limpar tudo. Também já escrevi sobre este episódio que se passou. Não sei porque recordo tudo isto agora, quando o que eu queria hoje era ir até ti. Mas tu foges sempre, parece que estás do lado de Matosinhos e eu do lado de Leça, e temos a ponte móvel aberta permanentemente. Assim não consigo chegar à tua beira. Já viste a volta que tenho de dar. Quando chegar tu já não estás á minha espera por pensares que eu não vou. Eu vou, demoro é muito tempo porque vou a pé pela ponte nova, e demoro-me a olhar os navios no porto a descarregarem. Fascinam-me os navios. Sonho com viagens que nunca fiz. Mas posso sonhar. Ainda posso sonhar. O problema que verifico no sonhar é que me perco de ti, já não estás em sitio nenhum. Não devia sonhar com barcos e partidas. Devia sonhar contigo a todo o momento. Mas isso era privar-te da tua liberdade. És livre como o pensamento. Quero-te livre para cresceres, porque em mim ainda és como naquele tempo, a mulher perfeita na plenitude da beleza, não envelheces. Estás numa cápsula do tempo, uma espécie de épave, como as que encontro nos mergulhos arqueológicos, onde os destroços permanecem incólumes há séculos, e assim podemos reconstituir a história. Só não reconstituímos o sentir dos esqueletos que por vezes encontramos, os ossos não falam, são o testemunho só. Lembro-me da Papoa em Peniche. Esse é um testemunho que ficou, foram uns amigos que estudaram o naufrágio. Amigos que não revejo, faz anos. Mas tudo isto são fugas minhas a ti. Tudo são pretextos para te prender, para que te interesses pelas palavras que escrevo, sei perfeitamente que não é uma área que te interesse. Te apaixone. Eu é que tinha a leve esperança que tu gostasses do que eu gosto. E gosto de poucas coisas acredita. O mais vou convivendo delicadamente com elas, uma espécie de fio da navalha. Também escrevi um poema com este nome; O fio da navalha. Já nem sei porquê, mas as coisas saem sem que eu me dê conta, acho que as palavras não são minhas. São de alguém que me usa para as alinhar na escrita para que se percebam. Fico muitas vezes com essa impressão, por não me reconhecer nas palavras escritas. Por não me lembrar delas depois, por não conseguir de memória dizê-las num acto de declamação, como o que assisti um dia, num almoço, o dia que passei perto da tua casa como já falei atrás. Podia ter tocado á campainha. Mas já não sei o andar nem o número nem nada. A minha memória atraiçoa-me muito. Sei que escrevi num papel a direcção certa, mas também não sei onde o guardei. Um dia aparece amarelecido pelo tempo e fora de prazo…
O tempo de hoje era para ir até ti. Em tua demanda. Uma espécie de Dom Quixote em demanda dos monstros que rodopiavam. A imagem não vem a propósito, mas à tempos, numa das minhas viagens ao mediterrâneo, vi os geradores eólicos alinhados a girarem nas suas rotações certas e lentas, e lembrei-me disso, o susto que o Sancho Pança, o fiel escudeiro teria para convencer o seu amo a não investir contra aqueles monstros…Mas o Dom Quixote era um cavalheiro sonhador, gostava de defender as donzelas. Eu também sonho, só já não encontro as donzelas daqueles tempos, e nem tenho escudeiro, nem ando a cavalo. Mas sei como são os moinhos de vento, isso sei. Porque em pequenino levava o milho com a avó para moer. Mas isso também já não interessa. O importante és tu de novo, e esta é certamente a ultima vez que te escrevo desta forma pública. Sabes, tenho a secreta esperança que te disponibilizes a ler o que te tenho escrito ao longo destes anos. Que o teu coração se enterneça e possa receber noticias tuas a dizeres que te encontras bem, mesmo que já tenhas envelhecido como eu, mesmo que tenhas um corte de cabelo diferente, ou tenhas mudado de perfume, por o que eu gostava já não ser o que gostas actualmente.
Acho que a dor de cabeça se dissipa aos poucos. Vês o que me fazes ainda, mesmo à distância. Basta-me pensar em ti com desejo, com amor, para as dores desaparecerem. Para me sentir vivo, para esboçar um sorriso, acho até que o olhar fica mais brilhante quando penso em ti. Só não sei se será mesmo amor o que sinto ainda, porque, dou-me conta, não vai a lugar nenhum isto que sinto. É uma espécie de dependência, uma droga desconhecida que cria habituação. Uma obsessão. Tenho rapidamente de encontrar uma clínica onde me interne e cure de ti. Levar uma transfusão de sangue completa para que o coração não descubra o caminho até ti, um sangue frio, impessoal, sem sentimentos. Uma espécie de plasma sintético. Uns glóbulos brancos pouco brancos, e uns vermelhos pouco vivos. Pode ser que seja a cura, porque o que sofro é uma doença rara, não vem nos livros de medicina. Não se estuda na faculdade. Sente-se só. Tão simples como isso. Sente-se só. E porque para amar são precisos dois, eu não amo porque estou só.
O mais nem sei que escrever, queria só que soubesses que hoje acordei com a vontade estranha de ir em tua demanda, chegar a um cais onde tiveste um veleiro, soltar amarras, içar o pano e atravessar o atlântico em tua demanda. Queria fazer isso. Não o faço porque deixei o veleiro faz anos. Não é importante que o saibas. O importante és tu. O importante és tu. O importante és tu.
A primeira vez que te vi…
O telefone está mudo e neste pc tu já não habitas, eu é que persigo a tua memória, porque hoje ao acordar queria-te comigo e estou só. E agora vou de novo, já te escrevi esta longa carta de despedida. Já terminei a história, dei-lhe mais um capítulo. O oitavo. Não é o final que queria, entende, é o possível na tua ausência. O final perpétuo. Se voltares um dia então terminamos a história. Eu só não sou capaz.
PS: Não é importante que saibas que te amo ainda.
Não é. É importante que te sintas feliz, isso me basta para ficar feliz também. Até sempre meu amor…
João marinheiro ausente, Outubro de 2006