quarta-feira, janeiro 30, 2008

III..


Já não te amo.
Sinto só a falta que me fazes todos os dias em que escrevo só, aqui neste pedaço do mundo tão estranho.
A maioria das vezes caminho por esta cidade que eu quis nossa, sozinho.
E sou um estranho de visita tão breve como breve é o desejo ou o arfar do peito.
Caminho a bordejar o Douro. Sempre o Douro. O nosso rio, e já não reconheço os lugares, as pedras da calçada, as pedras do molhe na Cantareira. A Foz. Nada! Já não me reconheço na névoa que me embacia o olhar.
Paro a descansar. A reunir as emoções em forma de palavras frias. A registar o momento tão breve de nós que nunca fomos. Preciso de te registar em palavras. A forma desumana e possível. O amor-perfeito no passado e no futuro mais que perfeito, imperfeito na essência por não ser realizável.
Caminho, os olhos desertos não vêem a luz do sol a espraiar-se nas águas do Douro, o eléctrico que passa amarelo, velho, a reluzir nos trilhos em aço coçados. O guarda-freio antigo de chapéu e fato azul-escuro, afável, e calmo, com todo o tempo que dura a viagem breve demais para que se possa sonhar o tempo.
Já não te amo. Já não quero sonhar que te amo. Já não quero imaginar que te amo. Já não!
O eléctrico tão antigo e tão terno a tilintar em cada paragem. Os trilhos a abraçarem o Douro de mãos dadas. Olho quando passa, e fica-me cá dentro a pintura do eléctrico amarelo e os rostos voltados para dentro de si, fechados. Eu olho, mas não vejo no coração das pessoas, e fico aflito se serei humano, ou um autómato inventado por mente alucinada aqui, nesta cidade tua que eu queria nossa e não consigo.
Caminho
A vida é um jogo.


João marinheiro 2008
Fotografia de Barcoantigo 2006

domingo, janeiro 27, 2008

Já não...


Já não invento os dias.
Deixo-me estar aqui angustiado.
O peso do dia cai sobre mim submergindo-me no mar violento.
Sufoco ate à exaustão dos sentidos. Abandono-me sem alma, sem sentir.
E fecho os olhos à luz.
Já não invento os dias e em mim sobrevive a agonia, a angustia dos dias do advento que estão para chegar.
Não acredito na primavera nem nas estações do ano cíclicas, e a vida é um embuste de caos e de pessoas vazias. E de vaidades. E o poeta está nu, despido de ideais, e tem frio e a pele arrepiada e estremece, e tremem-lhe as mãos e os dedos gelados. E o lápis que enche a folha alva de papel a reciclar parte a ponta com estrondo violento demasiadas vezes.
Já não invento os dias e deixo-me estar aqui nesta praia onde me refugio a olhar o mar demasiadas vezes. O mar que me vai levar um dia a sepultar. E o poeta aflito, tremulo, friorento procura uma nesga de sol que se filtra no céu nublado para aquecer a alma inquieta, enquanto olho a praia e o pescador solitário que lança a cana repetidamente em busca da glória do peixe que morre traído pela boca e pelo anzol que esconde o isco disfarçado em arma mortal, no areal onde se debate em agonia breve. E eu aqui afastado de tudo parece que lhe escuto os últimos gritos de agonia sofucante, como se os peixes gritassem de dor. E escuto também num carro que passa devagarinho com um casal de namorados enamorados uma música que vem de longe trazida pela brisa que diz assim;

– Gosto de ti como quem gosta do mundo…

Sorrio. Fecho os olhos e mato o poeta ao rasgar a folha alva de papel a reciclar no futuro, onde ele me dizia que queria viver nas palavras escritas…


João marinheiro 2008
Fotografia de Barcoantigo 2008

sexta-feira, janeiro 25, 2008

já não sei...


Fazemos de conta que estás ai sentada nessa mesa. O mar está atrás de ti no escuro. É noite, e eu estou a escrever-te uma carta a fingir que falo contigo.

- Olha!


Fazemos de conta que a mesa tem uma toalha branca e flores ao centro e uma vela perfumada acesa a tremeluzir.

Fazemos de conta.

Toco-te a face e fechas os olhos e envolves a minha mão com as tuas tão macias. E eu fico assim preso nas mãos. E fecho também os olhos a imaginar-te.

Já não sei sonhar-te!


João marinheiro 2008
Fotografia de Barcoantigo 2008

quarta-feira, janeiro 23, 2008

De nós sobram apenas escombros. Dás-te conta?

sábado, janeiro 19, 2008

Volto sempre.


Disse,

- Voltei .

Disseste,

- Gosto quando voltas .

Retorqui,

- Volto sempre!
Na maioria, do lugar só já resta uma memória.
Acho que tudo será um deslumbramento,

um brilho que se acaba de ambos os lados da luz.

João marinheiro Janeiro 2008
Foto de Barcoantigo

sexta-feira, janeiro 11, 2008

o velho búzio...



No velho búzio escuto o murmúrio do mar
a linguagem secreta que só os marinheiros sabem.

No velho búzio anuncio a chegada a terra
O alerta perdido na névoa.

O velho búzio…


João marinheiro 2008
Fotografia de Barcoantigo

quarta-feira, janeiro 09, 2008

E essa lentidão é ora suave ora desesperante…


...Na realidade é mesmo assim que começo esta carta, porque é nas minhas andanças na estrada que mais me lembro de ti, estranho não é. Funciono assim, concentrado na condução como um autómato e o pensamento longe, e o pensamento vai até ti, e confesso, não sei quem és ainda. Lentamente descubro.E essa lentidão é ora suave ora desesperante…

Cartas 2006, Excerto
Fotografia de Barcoantigo,2007

domingo, janeiro 06, 2008

Às vezes nem sei porque incomodo as pessoas...

terça-feira, janeiro 01, 2008

Saudade

O longe não é estar ausente
mas sim o sentir saudade
de não poder estar presente.

João marinheiro Leça da Palmeira Novembro de 1982